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O Destino da Rede Pesqueira

Incrustada na Zona Oeste de São Paulo, o entreposto paulista da Ceagesp tem dimensões e dinâmica de trabalho de uma pequena cidade do interior. Neste ambiente, milhares de pessoas negociam os peixes de todo o País para os mais exigentes mercados consumidores da América Latina

Enquanto boa parte da cidade dorme na madrugada de quarta-feira para quinta-feira, uma sirene estridente incomoda os ouvidos paulistanos por alguns segundos. São 2 horas da manhã e o barulho informa que o maior mercado atacadista de pescado da América Latina começou a funcionar. Neste momento, quem não está acostumado deve redobrar a atenção para não ser atropelado pelos enfurecidos carregadores de peixes. Esbarram ou desviam destes profissionais em torno de 1,5 mil pessoas por dia – ou por madrugada –, entre comerciantes atacadistas, feirantes, representantes de supermercados, peixeiros, motoristas, seguranças, distribuidores e demais integrantes desta cadeia de distribuição. Para quem acumula décadas na prática, a diferença entre cada um reside na presença ou não de um bloquinho na mão, na roupa diferenciada, no comportamento e, principalmente, no olhar. O contato visual na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo, ou Ceagesp, é encarado como um artifício de negociação. Sabe-se pelo olhar, por exemplo, se o dia será movimentado, o tipo e importância de cada cliente, a quantidade de mercadoria que deverá ser exposta e outras variantes que determinam o sucesso dos negócios realizados ali entre 2h e 6h, quando acaba oficialmente a comercialização.

Construído à beira da Marginal Pinheiros, a poucos quilômetros das principais vias de acesso a outros Estados, o entreposto da Ceagesp na capital comporta duas praças de pescado, a central e a “Praça da Sardinha”. Nos dois espaços, os comerciantes atacadistas reúnem sua equipe em espaços denominados pedras – comprados junto à administração –, colocam em caixas de 20 kg as espécies menores e dispõem em tapumes de plástico no próprio chão as maiores, como o atum e o cação. Um grande armazém frigorificado recebe e desova grandes quantidades de congelados todos os dias. Em meio a essa dinâmica de trabalho de três décadas, os carregadores e demais presentes levam para todos os lados, além das mercadorias, cigarro, canções, discussões, piadas, inquietações e solicitações aos andares superiores da administração. Para quem analisa pela primeira vez; a estrutura se assemelha aos mercados orientais de séculos atrás. Quem já está habituado nem conseguiria trabalhar de outra forma. Mas a batalha pelo aumento do consumo do pescado


Panorama aéreo do pátio da Ceagesp

mostra a todos que a mudança cultural é condição imprescindível. É o efeito bola de neve: o consumidor exige qualidade do comerciante final, que exige o mesmo de seus fornecedores, que, por sua vez, não têm condições de oferecer produtos melhores em um ambiente obsoleto como esse.


Maresch: "A atual administração voltou os olhos ao pescado"


Felizmente, esta percepção aos poucos se torna coletiva, como comprova a metodologia de trabalho adotada por Antonio Carlos de Almeida Vicente, sócio da Biriba Pescados, uma das cinco principais distribuidoras do local: “as pessoas aqui não estão muito conscientizadas sobre estes aspectos; só quem é exigido. Eu, por exemplo, trabalho com os supermercados. Eles precisam de padrão, qualidade e higiene. Então, também exijo um trabalho bem feito dos meus fornecedores. Hoje, quem me manda o peixe já sabe que se enviar com uma qualidade inferior, vai voltar. O fornecedor também fará uma seleção com a fonte dele. Vai chegar uma hora em que o padrão, qualidade e outros aspectos vão contaminar a todos”. Toninho, como é conhecido, aponta como modelo a atividade em mercados como o Paris-Rungis, na França. “Em primeiro lugar o que poderíamos trazer de fora do País para a Ceagesp é a higienização. Deixamos muito a desejar nestes aspectos. Eles trabalham com caixas descartáveis, de maneira mais uniformizada, com identificação, não há acesso de qualquer pessoa na praça.”

A realidade do exterior, no entanto, pode ser incorporada e colocada em prática dentro de alguns meses. Uma abrangente cooperação técnica entre a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Seap), Ministério da Agricultura, Pecuária e  Abastecimento (Mapa),  Serviço de Inspeção  Federal (SIF), a Ceagesp e a  Associação dos Comerciantes Atacadistas de Pescados do Estado de São Paulo (Acapesp) prevê a modernização de toda a estrutura de comercialização do pescado no entreposto da capital. “A Ceagesp tem mais de 30 anos e nunca se investiu nela.

 A atual administração voltou os olhos ao pescado e está colocando o projeto em prática” afirma o gerente de operações do terminal pesqueiro da Ceagesp, Carlos Maresch. Segundo ele, a obra será dividida em duas etapas. “Vamos fazer em blocos. Para a primeira fase do projeto, estima-se R$ l milhão, que contempla uma fábrica de gelo, inspeção primária e a climatização do pátio. Se der tudo certo, em janeiro já começaremos as obras. Temos de contratar uma empresa para fazer o projeto. A segunda fase está estimada em R$ 8 milhões. Queremos mudar a parte de cima e fazer salas de treinamento, além de colocar uma cozinha experimental. Ele também contempla uma parte de filetagem, para agregar valor ao pescado. O segmento de peixe fresco quer o lombo do peixe e não quer limpar no restaurante. A idéia é o cliente escolher as peças, mandar para a filetagem e levá-las sifadas e rotuladas.” O objetivo final é preparar as bases para uma nova etapa na distribuição de pescados. “São várias idéias para dar um salto qualitativo. Estamos em um ponto em que ou melhora, ou quebra. A experiência de outros paises mostra que a modernização sempre causa um choque. Na França; havia 120 atacadistas, e só sobraram 20 pessoas quando se modernizou”, conta Maresch. Segundo o projeto descrito pelo gerente, o novo caminho percorrido pelo pescado a ser comercializado na Ceagesp começará na portaria. “A fiscalização será feita na portaria e a quantidade e variedade já serão lançadas para um painel eletrônico no pátio. O cliente vai poder olhar no painel a entrada de mercadoria para saber a quantidade de cada uma das espécies.” Na prática atual, impera a regra básica da economia. “Aqui é a lei da oferta e procura. Quando se mostra que tem bastante, então é possível negociar o preço”, conta Maresch. Atualmente, técnicos da própria Ceagesp coletam os preços junto aos comerciantes, que o definem anteriormente em pequenas reuniões. O novo mecanismo será o mesmo de uma bolsa de valores: lança-se um preço de abertura no painel, que já seguirá para a internet, em seguida, será estabelecido um preço médio e, posteriormente, o final, que definirá a pauta de comercialização para o dia seguinte.

É consenso entre os diversos elos desta cadeia que a alteração física deverá ser acompanhada por uma mudança cultural dos permissionários. Quem não absorver os novos conceitos dificilmente sobreviverá, como analisa Maresch. “Na atual conjuntura, quem tem competência se estabelece, quem não tem deve sair. Isso não é exclusivo do peixe. Tem restaurante já exigindo que o peixe venha com SIF. Pela legislação, o feirante deve vender para o consumidor final. Atualmente, há muitos feirantes e peixarias que vendem aos restaurantes. Temos um projeto de chamar todos os sindicatos, os atacadistas, feirantes, o pessoal da culinária japonesa, para explicar a nova estrutura. Mostrar que vamos trabalhar com um novo fluxograma pela qualidade. Temos 70 atacadistas em um único local. Se um pisar na bola, mexe com a cadeia toda." Os comerciantes concordam. “Certamente, o projeto vai melhorar bastante. Temos de melhorar o manejo, a higienização, etc. Trabalhamos com o mesmo sistema de comercialização de 30 anos atrás”, reconhece o diretor da Acapesp, Jiro Yamada.

O projeto vai além da conscientização de quem fará parte diretamente dele. Conforme explica Maresch, ele também tem a intenção de trazer o munícipe de volta à Ceagesp. "Na década de 70 e 80, em armazenagem de grãos, a Ceagesp era escola. Recebemos muitas visitas; mas, hoje, as pessoas vêm para ver o errado para fazer o certo lá fora. Meu sonho é mudar isso, ter uma estrutura de entrepostagem de pescado que faça escola. Queremos transformá-la no maior mercado de América Latina com Boas Práticas de Fabricação, Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, para virar referência. Tradição nós já temos.”


Toninho: "o padrão, qualidade e outros aspectos vão contaminar a todos"

 

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