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A Rotina do Peixe


"O peixe vem de todo o País e é distribuído para o Brasil inteiro. E São Paulo é a capital brasileira em termos de comércio de pescado. A Ceagesp concentra este tipo de atividade”, resume Yamada. De fato, o porto de Santos (SP) é apenas mais uma origem dos pescados comercializados todas as madrugadas no entreposto da Ceagesp. Outros pólos fundamentais são ltajaí e Navegantes (SC), toda a costa do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Uruguai e Chile.

Grandes operações de pesca conduzidas, na maioria das vezes, por empresas destas regiões, desovam o produto da extração nos portos. No cais, já existe uma pré-seleção. Esteiras recebem os peixes agrupados por espécie e acondicionados em caixas de 20 kg. O abate dos peixes se dá por choque térmico nos próprios porões dos navios, repletos de gelo.

O pescado, abatido e devidamente encaixotado, é acondicionado em caminhões isotérmicos, que mantêm a temperatura e conservam este pescado até entrarem na Ceagesp, por volta das 22 horas. Segundo o diretor da Trovão Comércio e Indústria de Pescados, José Pereira de Souza, vulgo ‘Trovão’, 90% do peixe comercializado é consignado. Ou seja, quem vende nas praças de pescado não é dono da mercadoria, apenas obtém o direito de comercializá-la. O vendedor do peixe recebe uma comissão pela comercialização.

Na origem, já são definidas as pautas – cotação mínima de cada espécie. Às 2 horas, os caminhões são abertos e começa uma espécie de leilão. “De acordo com a quantidade de cada tipo de peixe, quantidade de clientes na praça, os chefes de cada empresa se reúnem e estabelecem um preço. Sem isso, não é possível definir um preço. Ai entra o tato comercial, são anos de experiência. São pessoas que eu admiro: olham para a praça, já sabem quem é cliente, se vai vender peixe ou não. E em cima disso dão os preços”, relata Toninho, da Biriba Pescados, distribuidora e cliente da praça. “O atacadista quer vender no maior preço possível e o distribuidor no preço mais baixo possível. É onde começam as discussões. Essa é a vantagem de ser um distribuidor atacadista. Como estamos aqui dentro, sempre conseguimos os melhores preços possíveis.”


Segundo 'Trovão', 90% do peixe comercializado é consignado


Negociação estabelecida é hora de carregar a mercadoria. “Depois que compramos, vem uma equipe de carregadores para levar esse peixe o mais rápido possível. Ele já é escolhido na praça. Chega aos boxes dos distribuidores, onde fazemos uma seleção e separação das caixas dos atacadistas para as caixas dos distribuidores. Nessa passagem de caixa, é feita novamente outra seleção. Depois os peixes são gelados”, conta Toninho. Por volta das 5 horas, a frota terceirizada de caminhões isotérmicos começa a carregar estes peixes para as lojas, onde chegam entre 7h e 8h. “Aí fica a nossa torcida para eles fazerem um trabalho bem feito para termos outro pedido no dia seguinte”, diz o sócio da Biriba.

Toninho representa uma das cinco principais distribuidoras de pescado do local. Estas empresas, com escritórios dentro da própria Ceagesp ou em outros locais, compram o peixe direto dos fornecedores ou então, para suprir a demanda, na própria praça. “Temos aqui cinco distribuidores que trabalham como nós, conhecem o cliente, sabem como trabalhar. O que tem menos tempo no mercado está aqui há 15 anos. O carregador da distribuidora está apto a recusar as caixas de produto inadequadas, e eu tenho plena confiança de que ele fez a escolha certa. Conseguimos com o tempo acostumar o atacadista a aceitar nossas devoluções, desde que seja em seguida à compra”, explica. A venda concentra-se nas grandes redes de varejo, como a Companhia Brasileira de Distribuição (CBD rede formada pelo pão de Açúcar; Extra e Extra Eletro, Compre Bem Barateiro e o Grupo Sendas), responsável por 70% da receita da Biriba. “Comercializamos em torno de 150 toneladas por mês, mas isso varia muito. As principais espécies vendidas são a tilápia, corvina, pescada e a sardinha. Dentro dessa tonelagem, em torno de dois terços segue para a CBD. Desde o começo, há nove anos, estivemos juntos.”

Para sustentar essa dinâmica de trabalho, os profissionais envolvidos com a Ceagesp vivem uma rotina curiosa. A luz do dia, para eles, revela a hora de dormir, depois de uma cansativa noite de trabalho. “Acordo à meia-noite e vou tomar um café. É como se eu estivesse acordando pela manhã. À l hora já estamos aqui. É o horário que começa a se preparar para a abertura da praça”, conta Toninho. A partir das 6 horas, aproxima-se a hora do "almoço”. A refeição é completa: arroz, feijão, mandioca, paio e, claro, peixe.

Companheiro de praça, Trovão vive a mesma realidade, mas é apaixonado pelo que faz. “Aqui é muito divertido. Passamos o tempo trabalhando, e ao mesmo tempo brincando. 98% é homem aqui. É igual uma feira livre. Trabalhamos brincando. Chego aqui à 1 hora, trabalhamos até às 6 horas. Terminou a comercialização, vamos ao escritório, e chegamos em casa por volta de 13 horas. Dormimos até às 18h. Depois dormimos de novo às 21h até 24h. A família nos vê mais nos fins de semana. Convivemos mais com as pessoas do mercado do que com a família. Mas não podemos reclamar”, Trovão é um exemplo de profissional que prosperou ao lado do crescimento do entreposto paulistano. “Comecei a trabalhar como peão e, com muito trabalho, trabalhei como chefe de praça, vendedor, etc. Aqui foi uma escola, cada degrau durou cerca de dois anos para subir. Hoje sou dono da Trovão Pescados, uma empresa sólida e bem-sucedida; um dos principais atacadistas da Ceagesp.” Além da Trovão Pescados, estas empresas concentram as maiores quantidades e receitas do pescado: Akama, Pesca Venda, ABC e Pesca Viva.

Integrantes da paisagem do entreposto, os carregadores ditos "autônomos” trabalham em um ritmo frenético, mas também colhem seus louros da atividade. “Trabalho há 11 anos aqui na Ceagesp. Cobramos vários preços: R$ 0,80 por caixa, R$ 1,00; depende. O pessoal compra o peixe, chama a gente e nós carregamos. Somos autônomos, chegamos às 2 horas e vamos embora às 6 horas. Ninguém manda na gente aqui, somos livres e fazemos o nosso horário”, contenta-se Manuel do Nascimento Santos.

 
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