Com o prestígio acumulado desde a fundação, em maio de 1969, a
central responde hoje pelo abastecimento de 60% da Grande São Paulo
e interior em frutas, vegetais, flores e pescado oriundos de 1,5 mil
municípios brasileiros e l4 países. No ano passado, só o entreposto
da capital gerou a média de R$ 9,7 milhões em negócios por dia. O
pescado, pela estimativa dos comerciantes, movimenta atualmente R$ 2
milhões, com a comercialização diária de 5 mil toneladas. Este
número, no entanto, já foi bem mais representativo, como 1embra o
diretor da Trovão Comércio e Indústria de Pescados. “Há uns 15 anos,
vendíamos em torno de 30 caminhões de sardinha por dia. Dez
toneladas por caminhão. Atualmente, isso caiu mais de 60%, por conta
da falta de divulgação do pescado, queda do poder aquisitivo e a
difamação do pescado.” O último item refere-se ao caso de
difilobotríase no salmão chileno. “Tivemos um prejuízo muito grande;
tanto nós como o Chile. Agora melhorou um pouco, mas a venda deve
estar em 70% do que era. Vendíamos 40 caixas de salmão por dia, em
torno de 1,2 toneladas. Quando saiu a notícia passamos a vender uma
caixa por dia.” Outro motivo apontado por Trovão para a diminuição
do prestígio do peixe é seu alto custo, motivado, em parte, pelo
preço de cada operação de pesca. “A pesca de parelha [dois barcos
com redes de arrasto especializados em corvirna, pescadinha,
maria-mole e outras espécies] gasta em torno de R$ 60 mil em cada
operação. Essa despesa envolve o óleo, gelo e o ‘rancho’ (a comida
da tripulação). Uma pescaria boa extrai em torno de cem toneladas.
Já a traineira sai com uma despesa de R$ 40 mil, pesca em torno de
20 dias a sardinha, cavalinha e outras espécies. A despesa é muito
alta, mas se pescar bastante sardinha dá para se safar. Apenas uma
rede de traineira custa em torno de R$ 300 mil. Para montar uma
traineira boa custa em torno de R$ 2 milhões.”
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Pescado movimenta R$ 2
milhões diariamente, diz Yamada |
A falta de controle sobre a ação da natureza também é levada
em conta no preço final. “O volume depende muito do tempo.
Quando o tempo está ruim, o barco nem sai, porque há perigo
de estes barcos afundarem. Deu lua, não tem sardinha, porque
ela não gosta do claro. Não dá para prever nada. Estes
ciclones [no Sul do País] também prejudicam muito a pescaria
no Brasil”, lamenta Trovão. As imprevisíveis tempestades
tropicais não afetam apenas a prática da pescaria, como
provou a chuva torrencial que ocorreu na capital paulista em
maio deste ano. Foi a pior chuva em quase 17 anos, caíram o
equivalente a 140,4 litros de água por m² em 24 horas,
número inferior apenas ao de 21 dezembro de 1988 (151,8
litros de água por m²) e o dobro do que costuma chover
durante todo o mês de maio. Embora não tenha atingido
diretamente a praça de comercialização, a inundação da
Ceagesp motivou a interdição da seção de pescados. “Ficamos
dois dias sem trabalhar, por conta do SIF, que inspecionou
todo o peixe estocado para saber se a água tinha entrado nas
câmaras frigoríficas. Depois que terminou, eles lavaram com
cloro e a comercialização foi liberada em dois dias.
Naqueles dias, deixamos de vender no mínimo 50 caminhões, ou
500 toneladas de peixe”, relata Trovão.
Ainda assim, a sobrevivência dos frutos da atividade de
pesca na Ceagesp não depende apenas da redução no custo das
operações pesqueiras ou das intempéries. É o que indica o
raciocínio de Toninho, da Biriba Pescados: “Do jeito que foi
pescado até hoje e continua a ser pescado, sem controle, não
dá certo. Prova maior disso é o que fizeram com o porquinho.
Ele chegou a ser comercializado totalmente fora de medida,
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padrão. E onde está
o porquinho hoie? Há quatro anos pagávamos por ele em torno de R$
0,80 o kg, hoje custa R$ 4,50, quando tem. Existem várias espécies
de peixe muito saborosas. O que falta é dizer às pessoas: ‘leve esse
peixe diferente hoje, porque o porquinho está fora de tamanho e de
época'. Vamos vender o peixe da época, todos devem se conscientizar
disso. Enquanto não houver esse controle, eu vejo com pessimismo o
mercado atacadista.”
Na década de 60, esta consciência da finitude dos estoques
pesqueiros ainda não estava enraizada. Nem se debatia isso num
contexto de nítida expansão da cidade e, conseqüentemente, mercado
consumidor. O mercado municipal já dava sinais de desgaste e
incapacidade em relação à quantidade de produtos consumidos por uma
população, cujo crescimento passava a se tornar vertiginosamente
ascendente. O governo deu início então às obras do Centro Estadual
de Abastecimento (Ceasal, antecipada, em l 966, em razão de uma
enchente no “mercadão”. Três anos depois, surgia a Companhia de
Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo, como resultado da fusão
de duas empresas mantidas pelo governo do Estado: o Ceasa e a
Companhia de Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (CAGESP). O
entreposto de São Paulo, parte da Ceagesp, foi inaugurado em l966
com o status de terceiro centro de comercialização atacadista de
perecíveis do mundo e o maior da América Latina. Após 11 anos, com a
expansão de um dos pavilhões, o entreposto alcançou o recorde de 6,2
mil toneladas de produtos comercializados num só dia. A marca
superou os índices do Paris-Rungis, o maior mercado do mundo. No fim
da década de 70, o interior do Estado ganhava importância no cenário
nacional e a administração dava início à descentralização da
estrutura de armazenagem e distribuição. São José do Rio Preto
recebeu a primeira unidade de comercialização fora da capital.
Atualmente, são dez centrais atacadistas no interior, próximas a
pólos de produção e consumo.
O entreposto paulistano, pelas estimativas da própria administração,
vende a todo o País cerca de 250 mil toneladas de frutas, verduras,
legumes e pescados mensalmente. Esta quantidade de produtos maior do
que chega em muitos municípios brasileiros coloca a central como um
dos maiores geradores de lixo da cidade. São produzidas 100
toneladas de resíduos todos os dias. Destes, 80% são constituídos de
matéria orgânica. O pescado gera diariamente 2 toneladas de lixo –
vísceras, sangue e peixes impróprios ao consumo humano – que não são
dispensados graças a uma parceria da Ceagesp, a Acapesp e uma
indústria de transformação. Pelo acordo, firmado a partir de 2003,
todo este resíduo é transformado em farinha de peixe, vendida como
insumo para rações. “Além de eliminar em 100% o descarte de peixe, a
iniciativa gera redução de custos operacionais. A capacidade
instalada na companhia é de 30 toneladas por dia e, com isso, a
Ceagesp pode auxiliar algumas prefeituras, permitindo que estas
regulamentem os descartes de resíduos de peixe das feiras livres, ou
outros, no entreposto da capital”, informa a administração.
A iniciativa faz parte de um programa de reciclagem criado e
coordenado pelo geógrafo Luciano Legaspe. Segundo ele, a idéia cria
uma nova lógica no mercado atacadista: a de encarar o lixo como
fonte de riqueza. “Quase 60% do lixo produzido no País é constituído
de matéria orgânica, mas apenas 1% disso é compostado. Esses
resíduos ainda sobrecarregam aterros, gerando impacto ambiental,
quando deveriam ser aproveitados na produção de alimentos, como
ração, adubo ou energia. Este é o quadro que estamos transformando
na Ceagesp, tanto no Entreposto da capital como nas unidades do
interior”.
A coleta é feita enquanto as praças estão cheias de carregadores,
permissionários e clientes, quando ainda é possível separar o que
pode ser reaproveitado. “Todo material coletado é classificado em
três bases: alimentos em boas condições para consumo humano,
alimentos próprios para ração animal e, por fim, resíduos impróprios
ao consumo, destinados à produção de adubo. Os alimentos
classificados no primeiro grupo são destinados ao Banco Ceagesp de
Alimentos, pois, embora não satisfaçam as exigências do mercado,
mantém condições adequadas de consumo. De janeiro a outubro deste
ano, mais de 545 toneladas de alimentos foram doados a instituições
assistenciais pelo banco” afirma a administração. O pescado entra na
segunda categoria, para produção de ração de suínos, aves e bovinos,
reduzindo, segundo a Ceagesp, em até 30% os gastos com a criação.
Nos primeiros quatro meses de 2004, de acordo com dados divulgados
pela instituição, 265 toneladas de descartes do entreposto foram
transformados em ração. A terceira etapa consiste no processo de
compostagem, segundo o qual transforma-se o que viraria lixo em
adubo orgânico. Desconhecida inclusive pelos habituais
freqüentadores, uma escola de reciclagem produz adubo natural para
doação a assentamentos. Além disso, oferece aulas práticas gratuitas
de compostagem a produtores, consumidores, pequenos ou grandes
geradores de lixo.
Os resultados colhidos pelo programa são importantes para medir a
economia feita com algo cujo destino era o descarte. Desde o inicio
do projeto até 2004 – data dos últimos dados tornados públicos –, a
Ceagesp afirma ter economizado mais de R$ 400 mil com coleta,
transporte e aterro de lixo. “De janeiro a outubro de 2004 foram
recicladas 2,6 mil toneladas de resíduos. Enquanto o lixo e os
custos diminuem, os resultados da reciclagem crescem de março a
dezembro de 2003 foram reaproveitadas 8,3% do volume de resíduos
produzidos. Já em 2004, o percentual de reciclagem subiu para l0,43%
do lixo gerado de janeiro a julho”, contabiliza a administração.
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